Novatos no STF: o perigo da revisão da vida toda

Por Rômulo Saraiva*
romulo@romulosaraiva.com.br

Advogado especialista em Previdência Social, é professor, autor do livro Fraude nos Fundos de Pensão e mestre em Direito Previdenciário pela PUC-SP.

No post de hoje, falaremos sobre novatos no STF e o perigo da revisão da vida toda.
Em dezembro, quando o INSS perdeu no julgamento da revisão da vida toda, milhares de aposentados vibraram com a boa nova. Afinal, não é frequente aquela corte reconhecer direito social com tamanha repercussão. Não tardou para o Instituto tentar reverter a situação, usando recurso que tradicionalmente tem pouca probabilidade de uma guinada radical. Com a chegada de Cristiano Zanin, mais novo ministro do Supremo Tribunal Federal, a sorte soprou mais forte para o INSS. Coincidência ou não, toda vez que um novo ministro assume assento na corte parece que a revisão da vida toda vai encontrando mais dificuldade pelo caminho. “Novatos no STF e a dificuldade aumenta”. (Grifo nosso)
Desde junho de 2020, quando a revisão da vida toda chegou ao Supremo, ocorreu a substituição de três novos ministros. Dois indicados por Jair Bolsonaro (PL) e outro por Lula (PT). Na gestão bolsonarista, Nunes Marques assumiu o lugar de Celso de Mello e André Mendonça entrou na vaga de Marco Aurélio Mello. Na era petista, Cristiano Zanin ocupou o lugar de Ricardo Lewandowski, que se aposentou em abril. Recentemente, Lula indicou Flávio Dino para ficar no lugar de Rosa Weber, ainda sem data para assumir. E o que eles têm em comum? Os ministros indicados pela Administração Pública Federal, da qual o INSS faz parte, têm sido ferrenhos com a revisão previdenciária.
Não se trata apenas de votar contra. Até porque ministros antigos, a exemplo de Luiz Fux, Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Barroso, também votaram em desfavor dos aposentados. Mas é a radicalidade daquilo que eles defendem no julgamento. Nunes Marques pediu destaque faltando poucos minutos do prazo final para forçar que o julgamento fosse reiniciado do zero em plenário físico, pois até então a apreciação dos ministros tinha sido por meio digital. Mendonça, ex-advogado geral da União, também apoiou que seu voto se sobrepusesse ao ministro Marco Aurélio, antes deste se aposentar e votar favorável à revisão.
Com a chegada do novato Zanin, o indicado do governo atual tenta novamente reiniciar o julgamento, pois defende a anulação do que o STF decidiu a fim de o Superior Tribunal de Justiça julgue novamente, desta vez por meio do Plenário em vez da Primeira Seção. Além disso, o novo ministro busca algo mais radical: fazer com que o pagamento dos atrasados da revisão da vida toda comece a contar a partir de 13 de dezembro de 2022.
De forma alternativa, caso o julgamento não seja reiniciado, Zanin defende modulação no julgado para que os aposentados percam praticamente boa parte dos atrasados. A justificativa jurídica consiste na argumentação de que “o pagamento de valores retroativos colocaria em risco o equilíbrio financeiro e atuarial do Regime Geral de Previdência Social”. Ora, além de repetir o mesmo argumento econômico usado pelo INSS, a revisão da vida toda é uma das poucas revisões que previamente os aposentados já pagaram por ela, embora o INSS se apropriou de todas as contribuições sociais anteriores à julho de 1994, sem dar a respectiva contraprestação.
Outro ponto intrigante do voto de Zanin é a pretensão de os aposentados sejam alijados dos atrasados. Esta orientação é contrária à jurisprudência dominante do STF, que historicamente sempre garantiu ao aposentado o pagamento de atrasados, ainda que respeitando os últimos cinco anos a partir da propositura da ação. Assim aconteceu na revisão do teto (RE 564.354), na revisão do artigo 29 (ARE 776148) e na revisão da ORTN (RE 856044), entre tantas outras.
A segurança jurídica foi invocada para justificar a mudança, embora ela, caso concretizada, é quem vai justamente gerar mais insegurança, pois a retirada dos atrasados da revisão da vida toda irá colidir com o que o STF vem reconhecendo ao longo dos anos em matéria previdenciária.
Embora o Supremo não tenha concluído o julgamento, a participação dos novatos na composição da corte tem sido de grande valia para o INSS, e de certa forma para o governo federal, uma vez que a interferência dos novos ministros é tendente a desfazer o reconhecimento da revisão ou diminui-la drasticamente. Parece que os novatos têm em comum o gosto da reviravolta.

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